Na parte 1 desse texto falamos sobre como ProtocolDAOs não estão orientadas a gerar grandes inovações de forma consistente por conta de sua estrutura de trabalho. Elas são burocráticas, com decisões top-down e políticas. Precisamos melhorá-las.

Como ProtocolDAOs podem ser melhores?

Talvez Frederic Laloux tenha encontrado a resposta dessa pergunta.

Frederic Laloux escreveu um livro chamado Reinventing Organizations. Que por sua vez se baseia na teoria chamada Spiral Dynamics, de Clare Graves.

Basicamente a Spiral Dynamics tenta mapear o desenvolvimento da consciência humana. Ela tenta colocar em cheque se existe um “desenvolvimento”, ou seja, se algumas pessoas têm uma consciência mais elevada que outras, e também se é possível um indivíduo elevar a sua própria consciência ao longo do tempo. 

Clare Graves diz que sim, e tenta mostrar esse desenvolvimento em 8 etapas. Por favor, leia a imagem a seguir de baixo para cima porque ela apresenta um bom resumo:

Fonte: 10 things you must know about Spiral Dynamics

Cada cor representa um estágio de desenvolvimento da consciência: Bege, Roxo, Vermelho, Azul, Laranja, Verde, Amarelo e Turquesa. Um é mais “evoluído” que o outro. A imagem é um bom resumo dessa evolução, mas se você quiser se aprofundar mais um pouco na explicação de cada um dos estágios, leia esse texto.

A teoria conta que um ser humano pode avançar nesses estágios de consciência ao longo da vida ou não. E que cada um de nós está predominantemente em algum desses estágios, sendo árduo o trabalho para avançar do seu estado predominante atual para o próximo.

Vale citar que o desenvolvimento da consciência humana é algo extremamente complexo, e os 8 estágios foram criados apenas para facilitar o entendimento e comunicação dessa jornada.

Partindo dessa teoria, um outro estudioso chamado Ken Wilber propôs um mapa mais complexo da evolução da consciência humana chamado Mapa AQAL. Essa proposta foi publicada em 2007 em seu livro The Integral Vision. Ainda assim, por mais complexo que seja qualquer mapa, ele sempre será mais simples do que o próprio terreno.

Nesse texto eu não vou me aprofundar propriamente em cada etapa da Spiral Dynamics, por isso, aos mais curiosos, deixo aqui minha recomendação do livro que introduziu a teoria oficialmente ao mundo; um excelente vídeo produzido pelo canal Actualized.org resumindo a teoria de forma bastante didática; além de uma série de vídeos do mesmo canal de mais de 2 horas dedicadas a cada uma das etapas da Spiral.

Voltando ao que nos interessa…

Poucas pessoas no mundo estão no estágio Amarelo, e muito menos no estágio Turquesa.

Frederic Laloux, com seu livro Reinventando Organizações tentou entender quais eram os tipos de organizações criadas por seres humanos em cada etapa da Espiral. Será que organizações com líderes do mesmo estágio possuem características semelhantes? A resposta é que sim! Ele encontrou e categorizou organizações com padrões muito parecidos nos estágios Vermelho, Azul, Laranja e Verde. Estágios anteriores a esses são pouco presentes nas sociedades atuais, e por isso não foram abordados no livro.

No estágio Vermelho estão organizações como antigos barcos piratas e atuais organizações criminosas. Onde há um líder reinando por meio do medo e poder, e consequentemente, o mais forte comanda. Bem centralizadas no indivíduo.

No estágio Azul/Âmbar estão organizações como exércitos, a igreja católica e nações. Muito burocráticas, com regras rígidas, hierarquizadas, que visam estabilidade e ordem, com uma estrutura tão forte que transcende o indivíduo. Líderes são trocados com praticamente nenhuma mudança para subordinados. É possível que cerca de 30% da população e do poder mundial esteja nesse estágio.

No estágio Laranja estão organizações como grandes empresas da atualidade. A meritocracia reina, junto com a busca pela maior performance, produtividade, competitividade, lucros altos, materialismo e metas são bem marcantes em organizações desse estágio. Decisões são feitas por líderes, que ganham muito mais que seus subordinados. Aqui um indivíduo no comando (CEOs) possui mais relevância para seus subordinados do que no estágio Azul/Âmbar. Possivelmente cerca de 30% da população e 50% do poder mundial esteja nesse estágio.

No estágio Verde, as organizações focam muito em propósito, harmonia, empoderamento, e equidade entre os membros da organização. Aqui, todos são ouvidos e incentivados por meio de propósito. A organização não se preocupa somente com shareholders, mas também com todos os stakeholders envolvidos – inclusive o meio ambiente e a sociedade que a cerca. Decisões são tomadas em conjunto, normalmente por consenso. Algumas empresas como Starbucks, Southwest Airlines, non-profits e cooperativas em geral representam esse estágio – e você, leitor, deve ter concluído que DAOs se encaixam muito bem aqui. A população desse paradigma está aumentando substancialmente nos últimos anos, mas talvez apenas 15% do poder mundial esteja aqui.

É importante relembrar que organizações em estágios mais avançados são mesmo consideradas mais “evoluídas” do que as dos estágios anteriores. Mas em alguns contextos, é possível que uma organização de estágio anterior tenda a ter uma melhor “performance” do que organizações mais evoluídas. 

No ambiente esportivo, por exemplo, só há um ganhador e o resto perde. É um jogo de soma zero, com escassez, como Naval gosta de comentar em seus podcasts e em seu livro The Almanack of Naval Ravikant. Se um time de determinado esporte tiver uma abordagem fora da escassez – de abundância por exemplo, que é mais presente no estágio Verde –  ele até pode ter jogadores mais felizes, mas provavelmente não vencerá o campeonato. Talvez seja por isso que o falecido Bill Campbell não tenha sido um expressivo treinador de futebol americano, porém tenha se tornado o lendário Trillion Dollar Coach no Sillicon Valley, mentorando nomes como Steve Jobs, Larry Page e Eric Schmidt. E vamos ser sinceros, a Apple gera muito mais valor para o mundo do que os Dallas Cowboys (embora eu seja um super fã da NFL).

Voltando aos estágios, vamos seguir para as organizações Amarelo/Teal…

Como as organizações dos estágios mais evoluídos da Espiral funcionam?

Talvez menos de 5% da população mundial pode se considerar estar majoritariamente no estágio Amarelo/Teal. Na imagem da Espiral acima é possível notar uma radical mudança de fase do paradigma Verde para o Amarelo/Teal. Consequentemente, as organizações desse paradigma são raras. Frederic Laloux teve que caçar ao redor do mundo inteiro organizações desse estágio para conseguir mapear seus padrões de práticas de gestão.

Para nossa sorte, ele encontrou algumas empresas, e fez um ótimo trabalho ao estudá-las.

Organizações Amarelo/Teal trazem como fortes características o autogerenciamento, integralidade e propósito evolutivo. Elas se enxergam como sistemas vivos, complexos, adaptativos, e existem por uma força independentemente dos objetivos de seus líderes. Se organizam em times pequenos que se auto-gerenciam em busca desse único propósito – atenção, isso não é Holocracia. O ego é extremamente reduzido, e as pessoas não fazem distinção do “eu profissional” e o “eu pessoal”. Organizações como Morning Star, Zappos, Buurtzorg, e Patagonia seguem esse modelo. 

Muitos livros de gestão considerados inovadores, como o best-seller Maverick, nada mais são do que descrições de empresas Teal (mesmo não existindo essa definição na época em que foi escrito). Como exemplo, vale muito a pena ver esse vídeo de 4 minutos que mostra como a Buurtzorg, uma organização de saúde com 11.000 enfermeiros, se estruturou sem gerentes, RH e marketing.

Eu acredito que este seja o futuro da gestão de protocolos: uma organização autônoma – mais “centralizada” do que DAOs – gerenciando uma tecnologia descentralizada.

Uma coisa é descentralizar a tecnologia, outra coisa é descentralizar a empresa que cria e produz inovação para essa tecnologia. Por exemplo, a Ethereum não é uma DAO, mesmo tendo um protocolo descentralizado.

As ideias Teal não vão demorar 10 anos para serem implementadas na Web3. Na realidade, acredito fortemente que esse movimento vai ganhar força dentro dos próximos 2 anos. Digo isso porque já vejo essa mudança acontecendo em alguns contextos, como por exemplo a estrutura de pods da Metropolis (antiga Orca Protocol) e a governança da Yearn.finance.

Organizações Web3 possuem código open source, resistentes à censura, permissionless, com efeitos de rede e economia de tokens. Essas características criam um modelo financeiro completamente diferente de ações, onde o único foco é enriquecer acionistas (paradigma Laranja). 

Está claro que a Web3 é um ambiente onde organizações Laranjas não são mais as que melhor performam. E se organizações Verdes (DAOs comuns) também estão falhando em entregar resultados consistentes gerenciando protocolos, acredito que finalmente chegamos num momento propício para que organizações Amarelas/Teal mostrem seu verdadeiro potencial frente aos outros paradigmas. 

Assim que começarmos a ver mais organizações Amarelas/Teal em Web3, ficará clara a sua vantagem de performance frente a outras organizações do ecossistema. Além disso, o ecossistema vigente de Venture Capital se encaixa muito melhor com empresas nesse estágio do que empresas no estágio Verde, visto que VCs investem em inovação/criação.

A “má” notícia é que o nível de consciência da organização é necessariamente compatível com o nível de consciência individual do seu líder. O que significa que, se você deseja criar ou liderar uma organização de nível de consciência mais elevado, primeiro você vai precisar entrar numa grande jornada pessoal e espiritual.

A “boa” notícia é que muitas vezes o ambiente em que você está também influencia o seu estágio pessoal. Se muitos builders na Web3 estiverem avançando para o paradigma Amarelo/Teal, provavelmente seu avanço será mais rápido pela simples convivência.

Eu tive a felicidade de ter contato com o livro Reinventando Organizações em 2017, e desde então eu e meus co-founders estamos constantemente, testamos, iteramos e implementando práticas organizacionais do paradigma Amarelo/Teal na Ribon. E mais do que isso, também focamos em nos desenvolver pessoalmente e espiritualmente para vivermos esse paradigma na nossa individualidade. Tem sido uma jornada difícil, porém muito bonita.

Pretendo no futuro escrever um outro texto contando nossos erros e acertos nesse processo, mas neste momento posso afirmar que se nós tivéssemos implementado o modelo de DAO na Ribon, eu e meus co-fundadores viveríamos infelizes e provavelmente a maioria dos nossos funcionários já teria saído da organização.

Se você não quer esperar pelos meus relatos de erros e acertos ao levar a Ribon ao paradigma Amarelo/Teal, eu te deixo uma dica especial: após publicar seu livro, Frederic Laloux virou consultor e participou de inúmeras transformações organizacionais ao longo dos últimos anos. Ele juntou pílulas de conhecimento que adquiriu nessas experiências e as publicou numa série de mais de 20 horas de vídeos disponíveis aqui. Esse curso está no gift economy, então o acesso é liberado para todos, mas se um dia você sentir que ele foi valioso, te incentivo que faça uma doação. Você pode acessá-lo pelo Spotify também.

No terceiro texto desta série eu vou propor um modelo de governança em que organizações Teal e protocolos descentralizados se encontram. Fique ligado!

A Web3 é muito mais que um monte de código e moedas virtuais. É um berço de organizações e pessoas de consciência.

Obs 1: Quero fazer um agradecimento especial ao Danilo Borges, meu principal colega de trabalho nestes últimos meses. Gostaria também de agradecer a outras pessoas que, sem elas, as ideias deste texto não existiriam: Moriah Rickli, Duda Barbirato, Gary Latta, Yuan Han Li, Alp Ergin e Bailey Tan.

Obs 2: As informações contidas neste artigo não pretendem ser e não constituem recomendação financeira, recomendação de investimento ou recomendação jurídica.