Assim como a renomada autora africana Chimamanda, viu seu continente ser frequentemente reduzido a estereótipos, é bastante provável que você também já tenha ouvido algum estrangeiro dizer que “pensava que o Brasil era uma selva, com pessoas descalças caminhando pelas ruas e macacos pulando entre árvores e casas”.

Por mais que eu não ache ruim a ideia de viver nesse cenário, ver pessoas descrevendo o Brasil de forma tão estereotipada me deixa triste, pois mostra como nossa cultura está sendo mal comunicada, ou até mesmo não comunicada pra quem está lá fora.

Mas, você já parou pra pensar que muitas vezes somos nós que replicamos estereótipos errados sobre outras culturas?

Faça esse exercício comigo: o que vem na sua mente quando você pensa na África?

Segundo Chimamanda Ngozi Adichie, quando pensam em África, as pessoas costumam imaginar “lindas paisagens, lindos animais, e pessoas incompreensíveis, lutando guerras sem sentido, morrendo de pobreza e AIDS, incapazes de falar por si mesmas, esperando serem salvas por algum estrangeiro branco”.

Chimamanda é uma escritora Nigeriana, e essa não é uma ideia que ela tirou da cabeça dela. Durante toda sua vida, ela ouviu essa fala de várias formas diferentes. Ela descreve algumas dessas experiências em seu TED Talk “O Perigo de Uma História Única”, que é a principal referência pro nosso assunto aqui.

Chimamanda apresenta os estereótipos que criamos a partir de assuntos que não conhecemos

Em resumo, a autora explica nessa palestra o perigo de criarmos nossos conceitos sobre determinadas culturas sem ao menos ouvir ou pesquisar quem de fato as vivencia. Em relação à África, esse é um erro que nós replicamos com frequência. E não poderia ser diferente, afinal de contas, quais filmes, livros ou músicas africanas você consumiu recentemente?

Pois é! Nós não construímos o nosso conceito sobre a África a partir da nossa observação, nós apenas replicamos ideias geradas por outras pessoas, que nem mesmo conhecemos. O problema é que essas “outras pessoas” têm seus próprios interesses e preconceitos, e quando ouvimos apenas a visão delas, acabamos perpetuando esses interesses e preconceitos sem saber.

Esse é o perigo da história única: perpetuar estereótipos. E não é que esses estereótipos sejam todos errados, eles apenas são incompletos. E não há nada mais cruel do que criar uma imagem incompleta sobre alguém. Quer ver?

Imagina que você foi convidado pra uma festa em que você não conhece ninguém além do anfitrião. Ao chegar na festa, o anfitrião te recebe e te apresenta pra todos os outros convidados. Nessa apresentação, o anfitrião diz apenas o seu nome e uma lista com todos os seus defeitos.

Se aquela apresentação for a única história que as pessoas ouvirão sobre você, então você será uma pessoa terrível pra elas. Mesmo que a lista de defeitos seja verdadeira, ela não diz tudo sobre você.

África inspiradora: narrativas, aprendizados e pessoas | O que ainda temos a conhecer

Quando consideramos uma história única sobre algo ou alguém, corremos o risco de sermos injustos como foi o anfitrião da nossa história. Nas palavras da própria Chimamanda: uma história única rouba a dignidade das pessoas.

É assim que pessoas de culturas estereotipadas se sentem, sem dignidade. Mas não precisava ser assim, porque o que não falta nos 55 países que compõem o continente africano são histórias inspiradoras. Basta sermos apresentados a elas.

Imagina se, ao invés de ouvir uma história única sobre a África, nós aprendêssemos sobre:

  • Ubuntu: uma filosofia antiga que ainda é mantida em vários países como regra de conduta. Numa tradução bastante simplificada, Ubuntu significa “eu sou porque nós somos”. Quem segue essa conduta entende que todos nós estamos conectados, e que tudo o que somos e fazemos é resultado da vivência de todos. Bonito né?
  • Música: a música africana é reconhecida mundialmente por sua riqueza rítmica. Apesar de ter sido historicamente reprimida pela colonização cultural europeia, hoje ela é reconhecida como elemento fundamental para o surgimento de gêneros como: samba, jazz e até mesmo a tão amada bossa nova. Provavelmente sua música favorita tem muito de África.
  • Política: a história política de quase todos os países africanos é de muita exploração e autoritarismo por parte dos colonizadores europeus (essa história nós conhecemos). Mas diferentemente do Brasil, a colonização africana perdurou – em muitos casos – até o final do século passado, o que gerou prejuízos socioeconômicos bem mais profundos. Mesmo com esse cenário tão adverso, a África foi – e continua sendo – cenário de muita resistência política, levantando lideranças inspiradoras como:

Nelson Mandela → um dos principais nomes da luta contra o Apartheid, Mandela foi preso em condições subumanas por 27 anos por se opor a esse regime de segregação racial. Ao sair da prisão, ao invés de buscar vingança, Mandela se firmou como uma liderança pacífica e foi eleito como o primeiro presidente negro da África do Sul. Seu legado inspira a luta por justiça social até hoje.

Julius Nyerere → também chamado pelo codinome “Mwalimu”, que significa “professor”, Nyerere foi o primeiro presidente da Tanzânia. Seu trabalho ficou conhecido por sua filosofia política “Ujamaa”, que enfatiza a cooperação e o desenvolvimento comunitário. Nyerere se tornou um líder respeitado por suas iniciativas de descolonização e unificação da África que culminaram na independência de vários países.

Ellen Johnson → primeira mulher eleita presidente de um país africano em 2005. Formada pela Universidade de Harvard, escolheu atuar na política desde muito cedo. Como presidente da Libéria, trabalhou para reconstruir o país após anos de guerra civil, promovendo a igualdade de gênero e o fortalecimento da democracia. Em 2011, recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

Chimamanda nos inspira a conhecermos a África e suas as histórias de resistência social.

É provável que, antes desse texto, você não conhecesse muitas dessas histórias. Espero que, de alguma forma, elas tenham mudado a sua percepção sobre a África e toda a infinidade de culturas que esse continente abriga.

É importante lembrar que os problemas sociais e econômicos vividos lá são reais e precisam da nossa ajuda e atenção. Mas, esses problemas não resumem, de forma alguma, a identidade cultural dos povos africanos.

Para citar Chimamanda uma última vez:

“Quando nós percebemos que não existe apenas uma única história sobre um lugar, nós recuperamos um paraíso”.